segunda-feira, 25 de maio de 2015

Olhos Tristes

Ela tinha olhos tristes e um sorriso de lábios. Basta para descrevê-la. Efêmera, como uma marcante fragrância que chama a sua atenção, te contagia, impregna e em algum momento se dissipa no ar, vai embora. Você tem a lembrança do perfume, mas só o sentirá outra vez quando tiver um frasco novo. Impressionante como um cheiro pode te levar de volta a algum lugar muito atrás no passado. Transportar-te para a infância ou qualquer lugar feliz.  A figura da mulher que descrevo de nada é importante se você for incapaz de sentir o cheiro da terra molhada numa tarde de verão ou das folhas que se arrastam no outono. Feromônio que se exala e precede até mesmo a sua chegada. Você sabe que ela está vindo. Eu nunca a tinha visto, mas mesmo assim tudo me arrepiou da cabeça aos pés imaginando quem será que está chegando e sem por os olhos nos meus já mexe comigo sem qualquer antecedente ou aviso-prévio.

Encarei seus olhos tristes. Cansado de mim me transportei para ela e lá quis ficar naquele olhar, mesmo triste e melancólico de algo que ninguém se atreve a perguntar. Pensei tê-la visto sorrir para mim, mas era o desenho de seus lábios, dois finos traços rosados arqueados como um sorriso ensaiado e de tão acostumado lá permaneceu. A pela branca translúcida de um perfeito contraste com os cachos volumosos e pretos. Era magra, de ombros um pouco envergados que mais parecia cansaço ou algo a justificar os olhos tristes. Eu devia estar olhando por tempo demais, pois seus olhos de repente foram de encontro aos meus e tive que sair de meu torpor momentâneo. Fui flagrado enquanto buscava abrigo em seus olhos tristes.

Fiquei a deriva ao voltar aos meus pensamentos inúteis de costas para ela, mas ainda sentindo a sua presença. Ela estava perto. Muito perto. Sentou-se ao meu lado no balcão e pediu algo que não fui capaz de entender. Um copo chegou, ela foi servida, bebeu. Ofereci meu copo a um brinde. Olhou-me de relance e brindou, sem dizer a que brindar. Bebeu. Olhou para mim mais uma vez, acho que dessa vez ela sorriu. Acredito que era um brinde aos nossos fracassos, motivo de nossos lamentos e uma dose forte de álcool. Ofereci um cigarro, ela aceitou. Acendi o meu e dela. Seu olhar não encarava o meu, parecia perdida nos próprios pensamentos. Seu corpo estava ao meu lado, mas sua total consciência em algum lugar fora dali, talvez procurando respostas que nem o álcool ou o cigarro trazem.

Tinha o cheiro do bar, da bebida, do cigarro, tinha ela. Eu tive um dia ruim e não tinha esperança de melhores e lá estava ela provavelmente também num dia ruim. Existem dias que você não quer ouvir conselhos ou desabafar. Quer brindar à sua dor e fumar um cigarro. A mulher de olhos tristes foi minha melhor amiga naquele dia. Apaixonei-me por ela antes mesmo dela entrar. Era atraente. Imaginei que sua voz fosse macia e delicada. Eu nunca ouvi a voz dela e mesmo sem ela saber nós nos casamos naquela bancada de bar, o bartender foi nosso padre, o cigarro nossas alianças. Provavelmente ela abdicaria da noite de núpcias, pois cá entre nós não sou um cara tão bonito assim, só para minha mãe, mas ela não conta. Também não sei se daria conta, já estou um tanto embriagado. Ela é bonita de se olhar.

Não sei quanto tempo o nosso amor durou, só que ela foi embora antes de mim. Deu seu último gole e assim como não me cumprimentou, não se despediu. Agora divorciado, tomei mais uma pela falta dela e decidi que era hora de voltar ao recanto que me acolhe e humildemente aceita a minha presença, lugar ao qual costumo chamar de casa. O silêncio da presença dela me confortou mais do que um abraço. Nunca mais nos encontraríamos e o tempo chegou a afastar da memória a sua figura, exceto os olhos tristes e o sorriso de lábios.

Um comentário:

  1. Um texto que me tocou pelo detalhismo e profundidade. Muito além do que um simples encontro. Adorei!

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