terça-feira, 15 de setembro de 2015

Encontr(o) Estranho

- Eu conheço você. 

Disse o Homem para o Outro Homem que passava. O Outro parecia ter urgência em passar. Estranhamente ele não ia a lugar nenhum. Parou. Ele não resolveu parar, era como um comando que não deu, passava e parou. Algo lhe dizia que não era uma boa ideia conversar com aquele homem.

O Homem observava o Outro Homem com recomendado receio de uma voz inconsciente, porém era mais forte o desejo de lhe falar. Algo lhe parecia que eles não eram dois passantes, porém fruto de um encontro marcado. Aquilo que o Homem disse ao Outro Homem também parecia ao Homem uma fala ensaiada, um verso cantado.

Existe uma busca incansável do ser humano a respeito de si mesmo, uma necessidade de definir-se e ajustar o seu lugar no espaço que ocupa, tudo para encontrar algo que se resume em uma palavra tão pequena: eu. No entanto, o que o Homem afirma é que conhece o eu de outro alguém, desse estranho transeunte que se desloca nesse espaço e alguém poderia tê-lo como ninguém.

O Outro Homem observa o Homem como a esperar uma resposta. Alguém o teria definido, ele poderia parar de transitar nessa busca enlouquecida de si mesmo e quem sabe ver o provável sentindo de existir. Algo conectava o Homem e o Outro Homem. Poderia ser a projeção de si mesmo que necessita efetuar para conseguir se distinguir e se entender enquanto consciência. Ou talvez não seja nada disso.

- Por que?

Novamente foi o Homem quem falou. O Outro Homem estava parado ali cumprindo o seu papel. Era uma pergunta significativa e justa. Definir o Outro Homem seria um trabalho árduo, então passa-se para a segunda pergunta que assola a humanidade. Não basta existir, é preciso entender por quê. Nada pode ser alheio, sem propósito.

- É o que eu sou.

Responsável por si mesmo, dessa vez a resposta veio do Outro Homem. Sendo a vida um movimento circular, redundante, esférica, ele responde à pergunta com a primeira afirmação.

Estavam estes, o Homem e o Outro Homem num lugar onde passado presente e futuro são as mesmas coisas. Acontecerá, acontece agora, aconteceu. Também de outro ponto de vista poderia ser a vida assim, o que eu posso evitar, o que eu estou fazendo, o que eu fiz. Basta dar-lhe contexto.

- E se...? - Disse o Homem num tom esperançoso. O Outro Homem faz um gesto negativo com a cabeça.
- Poderíamos ir e voltar no tempo e mudar tudo de lugar. Dizer palavras diferentes e tentar mudar a direção, nossos caminhos levariam ao mesmo lugar. Ainda aconteceria.

Não havia remorso na voz do Outro Homem.

- Você precisa nascer assim?

- Assim como?

- ...Assim.

- Sendo eu?

- Você pode ser você, mas talvez não precise de mim.

- Então eu não seria eu.

- Não sente remorso? Não vai nem se desculpar?

- Quer que eu confesse? Vai me perdoar?

Houve uma longa pausa até que o Homem pudesse responder com verdadeira franqueza:

- Você perdoaria?

- Que diferença faz?

- Vai doer?

O Outro Homem não foi capaz de disfarçar o brilho nos olhos e a satisfação quando respondeu:

- Muito.

- Será rápido?

- Não.

- Você será punido?

- Você nunca saberá.

O Homem não sabia mais o propósito desse encontro, assim como não fazia sentido para ele a sua existência. Ela terminaria, assim como a existência de qualquer um.

- Poderia ser de outra forma. - O próprio homem tinha dúvidas se era uma afirmação ou uma nova pergunta.

- Mas não foi.

- Eu estava apaixonado. Queria casar, ter filhos. Sou um homem bom.

- Isso quer dizer que eu sou o Homem Mau?

- Eu usei drogas, sou briguento, trouxe preocupações e dores para a minha mãe. Errei e erro como qualquer um. Qualquer um tem defeitos.

- Quer redenção? Eu posso ouvir as suas desculpas, os seus motivos. Afinal, você é o Homem Bom.

- Você não tem motivos.

- Por favor, isso não é sobre mim. Continuemos a falar sobre você.

- Você não tem motivos!

- Eu ainda matarei você. Eu ainda matei você.

- E o que eu faço agora?

O Homem percebeu que era a pergunta que fez a vida inteira, como se atirado á Terra num corpo rosado e absurdamente frágil. O Outro Homem parecia ao Homem saber o que fazer, talvez pudesse dizer ao Homem. E assim como ninguém respondeu ao Homem, ou ninguém responderá, o Outro Homem partiu em silêncio, de volta a urgência de seus passos, como o tempo que insiste em prosseguir.

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