Certa vez, há muito tempo atrás, existiu um ser que definiu tudo o
que você conhece hoje e chama de sentimentos e/ou emoções. Ele foi a cobaia de
uma força suprema para dar mais estética e elegância aos habitantes daquela
massa arredondada. Num dia como outro qualquer ele acordou e teve a sensação de
estar se afogando. Não era um sonho, premonição, paranoia. Sentia um peso nas
costas, uma respiração sufocada, um desespero perante aquilo que ele conhecia
como vida. Algo estava definitivamente errado. Observou tudo e todos ao seu
redor, mas tudo estava igual. E todos eram iguais. Sozinho, esse aperto no
peito o sufocava e ele passou a ver em preto e branco. Chamou esse pesar de agonia.
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Agora como uma figura fora de foco, transtornado contemplava o
monocromático ao seu redor. Sua face estava rígida. Caminhou por um tempo entre
os demais, apesar de ser diferente sequer foi notado. Ele olhou para cima e viu
o sol. Não lembrava que cor ele era. Quis sentar-se, estava exausto. Apenas uma
caminhada e parecia que tinha carregado a cruz até o calvário, o corpo
chicoteado e espinhos perfurando a cabeça. Não queria falar com ninguém, mas
havia gritos na sua cabeça. Estava parado, sem qualquer lugar em que quisesse
chegar e algo dentro dele debatia-se. Apesar de toda confusão lá fora a vida
sem vida passava em câmera lenta. Uma lágrima lhe molhou o rosto e chamou essa
agonia de tristeza.
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Queria fugir dos seus pensamentos, mas não tinha outra companhia.
Passou as mãos no rosto e sentiu essa coisa molhada. Esse sangue transparente.
Estava tendo hemorragia, a alma estava doente. Não gostava disso. Queria ter o
controlo de si. O que estaria acontecendo? Revoltado, sentiu algo quente
percorrer o seu corpo e um frisson eriçar seus pelos. Sua visão começou a ficar
escarlate e podia sentir suas veias tamborilando reagindo às batidas frenéticas
que batiam no peito. Sentado abraçou as pernas e apertou forte os braços. Suas
unhas fincaram a pele até algo quente e vermelho escorrer entre seus dedos.
Levantou e começou andar entre os demais, esbarrando-os, provocando-os. Por que
esse ser e não qualquer um desses? O que ou quem estaria usando-o como
brinquedo para um frio divertimento? Tudo continuava vermelho em sua frente e
os sons esvaíram-se de seus ouvidos. Entrou em casa batendo a porta e
arremessando qualquer coisa que estivesse por perto. Quem estaria assistindo
esse teatro real? Apenas chamou essa triste cena de ira.
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Ofegante parou tentando ter consciência de si. Que idiotice
quebrar as suas próprias coisas! Voltou a enxergar as cores, mas elas estavam
pálidas. Encarou-se no espelho. Aquilo na sua frente era um reflexo do seu eu
desconhecido e intocado. Suado, machucado, descabelado, horrendo. Mas tinha mais.
Nos olhos. Foi tocado pela ira e sabia que ela viria de novo a qualquer
momento. Não sabia o porquê, mas sabia disso. Esse ser não é só uma cópia dos
demais seguindo um padrão de comportamento. Se o que quer que fosse que está
acontecendo com ele acontecesse aos demais o caos desencadearia
definitivamente. Eles descobririam limites e extremos e os estrangulariam. Eles
não podem saber do que são capazes! Então chamou esse dia de inferno e culpou alguém a quem deu o nome de Diabo.
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Quem seria ele, ele não fazia ideia. Descreveria a dor e o
sofrimento do inferno e um ser que imperava sendo a forma viva do mal.
Encarou-se mais uma vez. Teve pavor daquilo que via. O pulsar que tinha se
acalmado voltou à sua histeria frenética. Olhava para todos os lados agora a espera
de algo acontecer, alguém aparecer. Algo invisível apertava fortemente o seu
abdômen e a respiração voltou a ficar pesada. Estava estranho, seus sentidos
aguçados. Ouvia cada passo dado lá fora, cada inseto que voava, cada matéria
que o vento tirava do lugar. E cada novo sussurro que o silêncio gritava o
aperto no abdômen ficava mais forte, um tranco no peito e alguns segundos
segurando a respiração. Estava estagnado com tudo o que estava lhe acontecendo
e chamou a isso de medo.
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Mais uma vez tentando ter controle de si fechou os olhos e
respirou fundo. Algo tinha mudado. Foi um alívio que sentiu. O peso não estava
mais lá. Pelo contrário, estava leve. Sentiu seu rosto perder a rigidez e seus
lábios abriram-se num sorriso inesperado. Permaneceu um bom tempo assim, parado
e de olhos fechados apenas saboreando essa tranquilidade que sentia. Não estava
mais se afogando, as cores estavam fortes. Na verdade tudo voltou a ser como
antes e notificou que aquilo o agradava. Reconhecer a rotina e as coisas que
estavam ao seu alcance. Iria limpar a bagunça, fazer curativos onde tinha
machucado, cozinhar algo para comer. A repetição o agradava nesse sentido.
Oscilou em sua serenidade quando não conseguiu dar um nome àquilo.
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Não queria que essa sensação passasse nunca e tratou de ocupar-se
em limpar e por tudo de volta no lugar. Que dia foi esse? O que realmente
aconteceu? Queria conversar com alguém. Mas não qualquer alguém. Pois se
falasse para qualquer alguém o teria como louco. Precisava de alguém para
compartilhar o que tinha vivido e até sentido. Um alguém que, se possível
fosse, tivesse também passado por isso. Mas como explicaria o inferno, a ira, o
medo, a angústia para alguém se eram palavras inventadas por ele para o que
estava vivendo? Pensando melhor, não queria esse outro alguém tivesse passado
por isso. É ruim. Queria alguém que se conectasse a forma que ele via do que
ele conhecia como vida. Mas não queria que esse Ser sofresse. Arranjaria uma
forma de lhe explicar tais emoções. Quis encontrar esse ser e cuidar dele. A
paz foi embora ficou com essa necessidade de doar-se. Ficou um pouco bravo por
sair de sua calma. Queria-a de volta. Contudo tinha esse ser que nem conhecia,
mas já conhecia o que sentiria por ele e chamou de amor.
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Então estava amando. Abriu outro sorriso, esse mais largo agora.
Percebeu-se distraído, olhando o nada e algo que voava dentro do seu estômago.
Estava quase tudo no lugar. Estava irritado, mas ao mesmo tempo bem com isso.
Ansioso, mas tranquilo. Estava definitivamente contraditório. Não queria
explorar muito esse novo sentimento. Teve medo dele. Agora podia definir melhor
para si mesmo o que sentiu: “teve medo dele”, e isso o agradou. Olhou tudo
agora limpo e organizado, estava em casa. Chamou sua morada de paraíso.
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Sentiu a temida ira se aproximar ao se dar conta que não
encontraria o seu alguém. Percebeu quantos planos tinha feito em tão pouco
tempo, tempo contado na realidade do sonho, onde o tempo é irreal e os sonhos a
única verdade. Queria alguém para ver, falar, tocar. Que fosse real no mundo
real. Sentiu-se filho único da Terra. Mais do que nunca se sentiu sozinho e
achou coerente chamar isso de solidão.
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A ira ficou mais próxima. Um tanto misturada com a tristeza,
agonia, medo. Não achou que fossem possíveis todas juntas. Era um pouquinho de
cada. Queria sentir de novo aquilo bom. Nem nome tinha dado ainda. Seria
possível sentir aquilo permanentemente? Mas quaisquer das minhas novas palavras
seriam possíveis instalar-se em mim? Queria sentir aquilo até o fim daquilo que
conhecia como vida. Então sua existência seria voltada à eterna busca daquilo?
E o que conhecia sobre aquilo para fazê-lo voltar? E se nunca mais voltasse? O
autor dessa brincadeira teria as respostas ou ele mesmo está me usando para
chegar às respostas? Como numa luz chamou esse autor de Deus e seu novo desejo de busca em felicidade.
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Já era fim desse dia estranho e resolveu dar mais uma volta. Ao
chegar à rua parou assustado. Estava tentando entender em que realidade
paralela ele teria sido jogado. Viu alguns dos outros fora de foco, sentados no
chão abraçando as pernas, alguns esbarrando nos outros. E de repente percebeu
algo. Eles não eram todos iguais. Padronizados sim, mas tinha outra coisa.
Alguns tinham certa graça especial, delicadeza, elegância. Suas formas eram
mais arredondas. Os outros eram mais altos, de aparência mais rude, porém de
confiança. Uma ideia então o ocorreu... Eles deveriam andar em pares. E poderia
explicar a eles o que estava acontecendo. Dizer-lhes os nomes. E antes que se
julguem pela ira desmedida digo-lhes que é obra do Diabo para que essa
transformação não afete a confiança entre eles. Posso falar-lhes sobre a tranquilidade
que é estarem no paraíso e talvez assim eles não busquem o inferno e não
propaguem tão ruins sentimentos.
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E este ser deu-se a obrigação de compartilhar seus conhecimentos,
e outros acrescentaram ou distorceram sua pregação ao longo dos anos. Existiram
aqueles que continuaram a vagar sobre a massa arredondada, pondo em dúvida a
evolução daqueles que um outro ser chamou de humanos. E esse ser que
acompanhamos entendeu que somente após ter as experiências que teve pode chamar
o que o faz existir de vida.
Teorias interessantes sobre os sentimentos... gostei!
ResponderExcluirSuper recomendado e aguardo novos contos `^^´
Beijos e abraços.
PS: Leia em voz alta tudo que escrever! É uma excelente forma de revisar.